Todos


Passei uma noite dessas pesquisando sobre hipnose e como ela pode nos ajudar a dar um novo significado para as nossas memórias. Eis que eu buscava um frescor de início, sabendo que o esquecimento não existia.

Acontece que a viagem é confusa. Entre sorrisos, rasteiras e cafés, os muros se erguem e fica cada vez mais difícil a transposição.

Passei uma tarde dessas discutindo quem eu era, o que eu tenho e o que eu perco. Ganhar, ter ou ser. A sujeira das palavras, o atraso dos atos, as memórias distorcidas eram quase um afago em um bilhete de loteria, perdido. Eu poderia jurar que aqueles eram os números do prêmio. E jurei. Convencido, mantive viva essa memória e não há hipnose que me faça pensar diferente.

As vezes eu seria apenas a tia no fim do almoço de domingo, cheia de suposições do que poderia ter sido. O que é, foi, será ou seria. Segura de suas memórias, ainda que estas fossem ondas que se quebram de forma diferente, de acordo com a calmaria. Mas há tempestades.

Em uma dessas tormentas, o riso se fez. As liberdades. As verdades guardadas por anos. Um perdão, tardio, uma abertura. Esperança? Isso não, mas uma gratidão, com certeza. As novidades. Risos, brincadeiras, canções e confidências. Trivialidades para se importar, um quotidiano de memórias recentes. As sinceridades.

Passei uma manhã dessas digerindo isso tudo aí. Minha própria bagunça, meus atropelos e anseios. Meus desejos e frustrações. Tudo o que eu estaria, uma sugestão ao meu subconsciente que o fez acreditar que aquilo que jamais combinou, um dia poderia. Jamais.

Havia a possibilidade da minha sanidade ser uma ilusão. As vírgulas que se fortaleciam sobre os pontos finais poderiam ser acaso, raios de saudade escapados de qualquer controle. Quem afinal tem o controle de suas vontades ou passa por cima do quebra-mola do sentimento alheio, devagar e com cuidado?

Se nessa linha do real algo saiu fora do rumo, talvez esse alguém tenha sido o eu, Rei. Talvez tenha sido o eu de Olaria, o eu da Praia do Canto, ou até mesmo o eu de Sapucaia. Espera, e se não foi nem Saulo, nem Paulo, nem Mauro, em qual universo a vida é marcada por mensagens codificadas em músicas trocadas no secreto de redes diurnas?

Passei uma madrugada dessas querendo saber só de futuro. Cansado de me repreender por querer mais que se merece. Ciente, sereno, olhando o mapa e medindo quantos quilômetros faltavam até a sensação de satisfação com o rico que se tem, o valor.

Eu queria conseguir me lembrar dos sorrisos, mas estacionei nas últimas lágrimas, que ainda me prendem no cuidado. A única memória que sobrou é que isso não era um lance, um crush. Isso era amor. No fundo das memórias a hipnose fez com ele naufragasse. Ou deveria ter feito.

Há algo mais forte que o subconsciente - a realidade. Daí que nesse confronto eu era Jorge. Eu era Fábio. Eu era algo. Eu não sei. Eu me esqueci, sabe? Eu não me esqueci de ti, de nenhuma das chatices, dores e destemperamentos. Rezei, zelei e esperei. Confundi.

Se estivessem nos vendo desconfiariam que estivesse rolando algo. De fora, saberiam as frestas das portas entreabertas e os limites impostos perenes, com suas lacunas de água para os sedentos. Entre tantos os eus, bobos de pensar que se juntos em uma única linha, seria esse o universo para se estar.